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Nas grandes batalhas da vida o segredo para a vitória é o desejo de vencer


Sentada numa mesa da esplanada de um café, na aldeia onde vivo, sediada num velho largo empedrado, tendo à minha esquerda a estátua de Camões e à minha direita um antiquíssimo coreto, onde em antigos tempos tocavam bandas e se faziam bailes á moda antiga, vou-me lembrando de toda a minha vida.

Nasci a 18 de Janeiro, numa tarde cinzenta. A hora ninguém sabe ao certo: segundo a minha mãe ás 17,30, mas a minha avó materna sempre dizia ter sido ás 17…pouco importa. Pesava 6,100 kg e toda a gente dizia que parecia ter 3 meses. Caso único penso, desde há muitos anos. As vizinhas das aldeias limítrofes vieram ver o bebé grande.

A casa onde nasci ficava no cimo da aldeia. Piso em terra batida, com uma grande chaminé, onde, entre tijolos, se fazia o lume para a comida.

Tinha uma escada velha para um sótão, que servia de quartos, divididos por sacas caídas de branco, onde dormiam a minha avó, a minha tia madrinha e a minha mãe. No outro quarto um tio solteirão que sempre viveu com a minha avó. Debaixo da única janelinha, a máquina de costura da minha avó, que durante o dia trabalhava no campo e á noite erro costureira, a fim de ganhar mais algum dinheiro para o sustento da família.

A casa pertencia á minha bisavó, que a tinha “emprestado” para termos um tecto onde nos abrigarmos, como diziam.

Paro um pouco, fumo um cigarro e olho a imponente igreja de Nossa Sra da Piedade, do séc. XIII, que fica precisamente á minha frente.

Continuando, dizia a minha mãe e confirmava a minha avó (em quem acreditava piamente), que ao terceiro dia de vida, como o leite da minha mãe não era suficiente, desfizeram bolacha Maria, que as vizinhas tinham oferecido, em água a ferver, para me darem como suplemento, pois não havia verba para leites ou farinhas lácteas.

O meu pai, que era acordeonista, não assumiu a gravidez da minha mãe, e como tal não me foi ver. Os meus avós paternos, que já tinham idealizado uma noiva para o meu pai, não contestaram, mas enviavam, volta e meia, como sói dizer-se, mercearia “para ajudar”.

Quando tinha 3 meses, o meu pai adoeceu, com tuberculose e, dado necessitarem de alguém para ajudar, os meus avós paternos mandaram buscar a minha mãe e a bebé. Lá fomos nós, com uma arca de roupa, enxoval da minha mãe, numa carroça, conduzida por um empregado do meu avô. A minha avó materna apoiou veementemente, pois era uma vergonha uma rapariga ter um filho e não viver com o pai da criança.

Por hoje não me apetece “remexer” numa das piores fases da minha vida, vou por isso deixar uma lacuna de 7 anos.

Após o falecimento do meu bisavô paterno (com quem convivi 5 anos), entrei para a escola primária com 7 anos, onde iniciei o convívio com outras crianças.

Como o meu bisavô me tinha ensinado algumas letras, dos jornais que lia, comecei a interessar-me mais com a matéria dada ás meninas da 2º classe. Na época as professoras davam aulas a todas as classes.Fiquei triste, pois também queria ler e escrever como elas.

Os trabalhos de casa fazia-os sozinha, pois ninguém tinha tempo para me ajudar. O que é certo é que ao fim de 3 meses já lia e escrevia como as outras deixando as colegas da 1º classe para trás.

A professora primária, amiga da minha a avó, foi falar com ela perguntando quem me tinha ensinado. Óbvio que ela mentiu.

Quando cheguei á terceira classe, a meio do ano lectivo, a professora fez uma pergunta ás meninas da 4º classe : Quais as terras conquistadas aos mouros (nunca mais me esqueci). De imediato pus o dedo no ar. Valeu-me uma reprimenda da professora; a pergunta não era para ti e não sabes de certeza. Respondi: sei sim. Para me pôr á prova ela com uma cara de pau disse: vamos lá ver se sabes mesmo. E eu lá disse: Santarém, Lisboa, Sintra e por aí fora. Respondi rapidamente não fosse a professora arrepender-se. A senhora ficou estupefacta. A partir daí comecei a acompanhar as colegas da 4ª classe. Perto do fim do ano fui fazer uma prova da 3ª classe a uma aldeia vizinha, e lá fiz no mesmo ano a bendita 4ª classe. No exame da 4ª que era realizado na sede do concelho, passei com distinção, para grande alegria da minha professora.

Nunca pedi brinquedos a ninguém. CHEGAVAM-ME AS BONECAS DE TRAPO QUE A MINHA AVÓ MATERNA FAZIA, E QUE ERAM BEM BONITAS. Depois ajudava a fazer as roupinhas.

Tinha 8 anos quando fui a um médico á vila, onde havia uma livraria. Quando passei olhei para a montra e pedi á minha mãe que me comprasse um livro. Quando entrei peguei num livro de Júlio Verne “um capitão de 15 anos”. O dono da livraria bem me queria dissuadir dizendo que não era um livro para a minha idade. Eu teimei que queria aquele pois queria saber como é que um rapaz de 15 anos tinha chegado a capitão. O senhor riu-se e lá vim eu muito feliz com o meu primeiro livro escolhido por mim. Claro que o li várias vezes. Conservo esse livro religiosamente até hoje.

Para mim foi o meu primeiro grande sucesso completar a 3ª e 4ª classe só num ano.

E é assim: nas grandes batalhas da vida o segredo para a vitória é o desejo de vencer. Assim dizia Ghandi e tinha efectivamente razão.

Escrito por Maria Cruz | Foto: Anos Dourados
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